Custos pessoais, PIB e inflação: chuvas no RS devem impactar economia do micro ao macro

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Especialistas reforçam que análises ainda são preliminares

As chuvas do Rio Grande do Sul afetaram 92,7% do estado até a última sexta-feira (17). Segundo o balanço do governo estadual, cerca de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas pelas chuvas.

Os danos devem se estender ainda mais no longo prazo se considerado o impacto na economia gaúcha. De acordo com levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), 96% dos empregos industriais foram afetados pelas enchentes.

Claudio Considera, pesquisador associado do FGV/Ibre, compara a situação a um cenário de guerra diante do impacto econômico na vida da população.

“Do ponto de vista pessoal isso vai ter um custo muito enorme. Quantos anos de trabalho para recuperar essas coisas perdidas?”, questiona diante da paralisação de grande parte da economia do estado.

O Rio Grande do Sul conta com o quarto maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, representando cerca de 6,5% de toda a atividade nacional, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2021, o último com dados por estado.

O impacto das chuvas, por tanto, deve ser sentido em escala nacional. A dimensão da catástrofe, porém, dificulta a coleta de informações e estimativas sobre a extensão do impacto.

“Até parar a chuva, não tem como mensurar”, afirma Considera.

Setores já levantam prejuízos
Apesar de os efeito macro nos âmbitos estadual e nacional ainda serem incertos, nos recortes setoriais há divulgações reiteradas de elevadas perdas causadas pelas chuvas.

Especialistas consultados pela CNN mencionam pontos de atenção na indústria e na agropecuária. Vale destacar que estes dois setores são mais representativos para a economia gaúcha do que para a nacional, em proporção de Valor Bruto Adicionado (VAB), segundo os números do IBGE.

O levantamento da Fiergs ainda mostra que, até o último dia 13, nove entre dez indústrias gaúchas estavam em cidades atingidas por chuvas e alagamentos.

Este cenário representa 96,1% do VAB industrial e dos empregos do setor, além de 97,1% das exportações da indústria de transformação e 96,9% da arrecadação com atividades industriais.

“Além dos danos gigantescos de capital, os problemas logísticos devem afetar de forma significativa todas as cadeias econômicas do estado. Diante desses números, fica evidente o potencial impacto avassalador das enchentes“, avalia a Fiergs.

Gedeão Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), descreve a situação como “calamitosa”, mas pondera que poderia ser ainda pior.

Apesar das enchentes no estado, dados do Instituto Rio Grandense de Arroz (IRGA) apontam que cerca de 84% das lavouras já haviam sido colhidas antes da crise. O estado é responsável por 70% da produção nacional.

De antemão, o governo federal agiu para evitar alta de preços após especulações sobre desabastecimento do alimento e autorizou a importação de 100 mil toneladas do grão por meio de uma medida provisória (MP) que dividiu opiniões na sociedade civil.

Pereira criticou a decisão do governo em entrevista à CNN e a chamou de “desnecessária” por conta da quantidade de arroz que já estava disponível.

Na avaliação dele, seria possível atender a demanda sem uma MP de importação, devido à maior parte da colheita estar preservada. Segundo ele, os 30% da produção nacional de arroz estão majoritariamente em regiões não atingidas pelo desastre climático.

A Farsul não foi a única entidade do agro gaúcho que se posicionou contra a compra do alimento.

A Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) avalia que a oferta do estado é suficiente. Segundo Alexandre Velho, presidente da entidade, os problemas de escoamento são pontuais e não são motivo para alarde.

“Nós já temos rotas alternativas [para fazer o transporte]. O que está acontecendo com o arroz é uma questão de logística. Não há risco de desabastecimento no país tendo em vista até aumento da área de produção dentro do Rio Grande do Sul e fora do estado”, afirmou Velho à CNN.

O Rio Grande do Sul também conta com participação relevante em trigo, com 48% do total no país. O estado ainda é destaque em soja, fumo, uva, além de galináceos e suínos.

Apesar de não projetar desabastecimento, o presidente da Farsul pontua que os impactos das chuvas ao agro serão devastadores, com o PIB gaúcho “altamente negativo” em 2024.

Impactos nacionais
Apesar dos poucos dados sobre o tamanho do impacto, o consenso dos analistas é que os efeitos regionais espraiem na economia brasileira.

Em relatório, o Santander destaca que a indústria deve ser o setor mais afetado pelas enchentes. O banco de origem espanhola aponta que a destruição de capital fixo (imóveis, fábricas) e suas consequências devem afundar a produção industrial do estado.

Tendo em vista que o Rio Grande do Sul representa 6,6% da indústria nacional, o Santander compara a tragédia atual com “eventos similares” no sentido de paralisação da indústria (enchentes em Santa Catarina de 2008 e a queda da barragem de Brumadinho de 2019), e estima que a desaceleração da indústria gaúcha pode ter um impacto negativo de até 0,3 ponto percentual no crescimento do PIB nacional em 2024.

O Bradesco também aponta para um impacto semelhante na economia brasileira e indica que o crescimento da indústria gaúcha pode acabar sendo praticamente zero esse ano.

Já as perdas na agricultura devem refletir na inflação deste ano. Tanto a corretora Warren Rena quanto o Santander elevaram suas estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024 em 0,1 ponto percentual por conta do potencial impacto no preço dos alimentos, respectivamente a 3,8% e 3,4%.

“Dada a importância da produção de arroz do Rio Grande do Sul no total do Brasil, a gente entende que uma alta de 20% no atacado pode acontecer nesse curto prazo”, afirma Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Rena.

“E o impacto deve ser no longo prazo, até o fim do ano, devido a falta de uma nova safra a tempo de normalizar a produção e os preços”, conclui Angelo.

Fabio de Andrade, economista e professor da ESPM, reforça o ponto, mas acredita que há possibilidade de o problema ser mitigado.

“É possível que a perda de arroz e trigo contribua para a inflação. Só que o governo tem a possibilidade de trabalhar com estoque regulador. Se houver êxito na operação, pode controlar a inflação para não ser tão aguda.”

O plano do governo é subsidiar parte das compras para segurar ainda mais o preço e impedir que pacote de cinco quilos ultrapasse o valor de R$ 20.

O alimento importado chegará aos mercados em embalagens de 2 quilos com preço tabelado de R$ 4 por quilo.

O impacto na agricultura ainda pode reverberar nas exportações. Para Andrade, as consequências para as exportações devem ser menos relevantes, visto que a maior parte da produção do estado é para consumo nacional.

Porém, o estado gaúcho é o quarto maior exportador do país e tem como principal destino o maior parceiro comercial do Brasil, a China.

O produto mais comprado é a soja. Desse modo, Considera, do Ibre/FGV, vê a possibilidade de um peso “significativo para a balança comercial”.

“Não vai continuar o ‘mar de rosas’ que foi no primeiro trimestre, no próximo devemos sentir os efeitos e deve vir um resultado mais abaixo”, conclui.

A balança comercial brasileira registrou um superávit de US$ 19,3 bilhões no 1º trimestre deste ano, sendo que os resultados de janeiro e fevereiro foram recorde para os respectivos meses.

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